O saltador de muros

Essa mania de Dalmo de saltar o muro de casas de mulheres comprometidas era muito arriscada. Volta e meia o homem escapava por pouco de maridos que chegavam antes da hora. Certa feita quase foi alvejado por um soldado que o flagrou dentro do seu quintal e julgou ser um ladrão. Não era, e a esposa do militar que se explicasse...

E o mais interessante disso tudo é que Dalmo não era nem jovem e nem bonito. Solteirão convicto, desses que escolhera desde cedo não subir ao altar, ele envelhecera sem jamais ter sequer noivado. Mas namoradas e amantes teve muitas. Já na casa dos seus sessenta anos, admirava os amigos quando narrava suas escaladas em muros respeitáveis de certas casas.

Mas todo aventureiro sexual cedo ou tarde encontra a dele. E com Dalmo não foi diferente. Mal o capitão comandante da polícia assumiu o cargo na cidade e Dalmo foi à caça da esposa dele. Cerca daqui, vai acolá, e não é que convenceu a jovem a ceder aos seus encantos! E ela nem tinha ainda trinta anos de idade.

No dia que o destacamento foi participar de um desfile cívico na capital, o capitão no comando da tropa tipicamente adornada com trajes de gala, Dalmo viu a oportunidade de consumar suas pretensões. E no afã de usufruir daquelas carnes novas, deixou cair o relógio de pulso e nem notou. Só que era um Patek Philipp antigo, que pertencera ao seu bisavô e ainda estava em pleno funcionamento. Por isso decidiu pregar um cartaz no seu estabelecimento comercial (ele era dono de um bar) com os dizeres: "Procura-se um Patek Philipp com pulseira de couro legítimo. Gratifica-se bem."


Passados três dias houve um alvoroço na cidade com a notícia de que o comandante da polícia havia dado uma surra na esposa. Foi um rebuliço daqueles. As mulheres se revoltaram com tamanha brutalidade e os homens preferiram não comentar. 

Não demorou muito e o capitão apareceu no bar de Dalmo. Estava à paisana e com uma pistola à mostra na cintura. Colocou as duas mãos no balcão e ficou por certo tempo com os olhos em Dalmo e depois no cartaz na parede. Então enfiou a mão no bolso, tirou o relógio e o colocou em cima do balcão. O dono do estabelecimento ficou maravilhado e logo abriu o caixa para de lá retirar o valor da indenização. Antes porém de entregar o dinheiro, indagou ao capitão:

― Mas onde foi mesmo que o senhor o encontrou?
― Dentro do meu quarto.

Dalmo ficou pálido feito cera nova. Os demais frequentadores do lugar saíram de mansinho. Mas o malandro não pode perder a esportiva ou deixa cedo a profissão. Então examinou detidamente o relógio, devolveu-o ao outro e já guardava o dinheiro no caixa quando disse:

― Não é o meu.

Adriano Curado

Conto simplificado extraído do livro O tapuia que não falava português.

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