Mariana, a louca


A moça Mariana morava próximo aqui de casa mas ninguém tinha acesso a ela. Conhecida como A Louca, ela passava os dias solitária num balanço no quintal da casa. Seus pais impediam que convivesse com outras pessoas, talvez por vergonha de seu estado mental. E o isolamento chegou a tal ponto que eles mesmos a alfabetizaram. Quando saíam de carro, ela era camuflada pelos vidros escuros. Se a faxineira aparecia duas vezes por semana, A Louca era trancada no quarto. Família rica e tradicional na rua, podia se dar ao luxo de manter um mundo à parte para a filha.

Ocorre que o destino às vezes prega peças na gente. Um acidente de carro vitimou seus pais e A Louca ficou sozinha em casa. A coitada não tinha outros parentes. Como todos na ruas estavam acostumados a ignorá-la, não se deram conta de que, uma semana depois, ela ainda estava ali no balanço. Eu soube porque podia vê-la da janela aqui de casa. Decidi ajudá-la, embora temesse ser atacado porque A Louca bem que podia ser violenta. 


Num final de tarde, abri o portão e me aproximei devagar. Ela estava imóvel no balanço, cabeça baixa e olhos fechados. Pensava que, se ela fosse furiosa, eu poderia correr e fechar o portão atrás de mim. Então arrisquei e a chamei pelo nome. Mariana levantou a cabeça e se mostrou a mais bela criatura que eu já tinha visto. Parecia assustada e triste. Eu a trouxe aqui para casa e cuidei dela. Descobri que não era louca mas sim oprimida pelos pais.

Pobre doce moça! Creio que foi essa fragilidade que me fez apaixonar por ela. Tantos anos de sofrimento nas mãos dos pais e ela não parecia guardar mágoas. Aliás, não manifestava qualquer sentimento em relação a eles. Nosso casamento foi simples e com poucos convidados. Creio que achavam que eu era meio loco também. Vendemos a casa dela e viemos morar aqui na minha.

E foi num final de tarde, estendidos cá na rede, enquanto eu afagava de leve seu rosto sonolento, que ela disse:

─ Flunitrazepam, ácido gama hidroxibutírico e cetamida.

Ri dessas palavras complicadas, mas ela se manteve séria.

─ Foi o que usei no café da manhã dos meus pais naquele dia. Sabia que ele apagaria e não conseguiria controlar o carro nas curvas da descida da serra. Dei-lhes um boa noite cinderela e agora tudo está bem. ─ Sentou-se na rede, sorriu para mim e completou: ─ Agora só tenho olhos para você!

Adriano Curado

Conto resumido extraído do livro O tapuia que não falava português.


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