O HOMEM QUE SE NEGOU A FALIR


No dia em que foi anunciado a Valter Moreira que ele estava falido e que precisaria vender tudo que tem e ainda ficaria devedor, nesse dia, todos se escandalizaram no tribunal com sua gargalhada. Esperavam que ele se desesperasse e o descontrole tomasse conta de si, mas ao contrário disso ele se voltou para o juiz e disse: “Quem é você para sentenciar que estou falido se ainda me sinto rico?” E após dizer isso deu as costas e se retirou do plenário sem ao menos assinar a ata da audiência.

Enquanto a cidade estava em rebuliço e os credores corriam para seus advogados para habilitar logo na falência, Valter tranquilamente se dirigia até o escritório do libanês Jamil Kaled e lhe propunha um negócio irrecusável: o ricaço quitaria sua dívida de um milhão de reais e em troca ele lhe devolveria cinco milhões em um ano. O velho negociante olhou demorado para Valter, brincou com a caneta que tinha na mão e antes de responder indagou:


- Como pretende me dar tanto dinheiro se está falido?
- Não estou falido. Disse isso há pouco para o juiz. Eu me recuso a falir. 
- E onde encontrará dinheiro?
- Nas minas de ouro, ora essa.
- Mas essas minas da sua família estão esgotadas faz tempo.
- Não estão. Apenas não procuraram no lugar certo.
- E o senhor sabe onde é o lugar certo da fortuna?
- Claro que sei. Por isso estou aqui.

Jamil Kaled, mascate que chegou do Líbano com uma mala e agora era das maiores fortunas do estado, conhecedor de gente e experiente na arte dos negócios, aceitou a argumentação e pagou a dívida na praça. Essa atitude sua alvoroçou a cidade, e a coisa chegou a tal ponto que a maioria dos credores se recusou a receber porque queria lucrar onde a raposa mulçumana farejara algo. 

Fato é que Valter realmente encontrou o veio de ouro na mina. Mandou avaliar o minério no órgão competente e atestaram que era mesmo o rico metal. Vendeu a mina por dez milhões para um grupo português, quitou com Kaled e os demais credores e se mudou para o exterior com a família e seus bens. Antes de sair ainda disparou que aquela cidade incrédula não era digna dele.

Os portugueses nunca entenderam como aquela mina, tão promissora a princípio, se esgotou assim rapidamente, e eles amargaram um colossal prejuízo. Se tivessem o cuidado de vasculhar a região teriam por certo encontrado a espingarda numa vala e matado a charada. É que Valter derretera alianças, brincos e outras joias de ouro, depois de a custos convencer a esposa, fez deles o pó que socou no cano da espingarda e depois atirou no mesmo barranco onde coletara o material para análise.

Adriano Curado

Conto resumido e extraído do livro: O tapuia que não falava português. 

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