Quando Márcia foi diagnosticada com um tipo raro de
leucemia, o médico lhe deu a opção de começar um tratamento
doloroso e sem certeza de resultado, ou ser medicada para viver bem
as duas semanas finais. Muita gente, diante de uma encruzilhada
dessa, optaria pelo tratamento. Afinal, é melhor uma esperança, por
menor que seja, que a certeza da morte. Mas Márcia quis viver
plenamente seus quinze dias restantes.
Ela era uma arquiteta solteira na cidade grande.
Trabalhava doze horas por dia para manter as prestações do
apartamento luxuoso e do carro. Mas agora não precisava de nada
daquilo. Então vendeu seus pertences e saiu por aí para concluir os
planos há tanto adiados. Seu primeiro encontro foi com o mar. Longo
vestido branco ao sabor da brisa, braços abertos como se pudesse
voar, liberdade absoluta e sem retorno.
Interessante que agora que conseguiu a liberdade,
iria perdê-la. Não importa. O tempo era curto demais para realizar
tantos sonhos que havia adiado na rotina massacrante em que se
metera. E do mar voou para as montanhas. Depois quis se reencontrar
com Deus numa igreja. E por fim foi procurar seus pais há tantos
esquecidos. Voltou para a pequena cidade no interior de onde saíra
há dez anos brigada com o pai. Mas este ela não pôde rever porque
ele morrera há dois anos, contou-lhe a mãe.
— Ninguém me avisou nada?
— Você não deixou sequer um telefone de contato
— retrucou sua mãe. —
Lembra-se?
Márcia se sentou na varanda onde costumava esperar
o pôr do sol e chorou de soluçar. Sua mãe a consolou —
e isso as mães fazem muito bem. Contou-lhe que seu pai já a havia
perdoado porque a discussão que tiveram foi muito banal, tanto que
ninguém mais se lembrava dela.
— Mamãe, eu vou morrer.
— Todos nós vamos.
— Eu vou morrer nos próximos dias porque fui
diagnosticada com um tipo raro de leucemia.
A velha ficou em silêncio por algum instante,
depois acariciou o cabelo da filha e o beijou.
— Não se preocupe, vai ficar tudo bem.
Márcia deixou a vida sem dor ou rancor. Estava
deitada na varanda mas o pôr do sol demorou a chegar. Sua passagem
foi tranquila porque estava ao lado de quem realmente importava para
ela. Tanto tempo desperdiçado à procura de dinheiro e glória,
enquanto que seu verdadeiro tesouro estava ali, bem próximo do
coração.
Adriano Curado
Nenhum comentário:
Postar um comentário