O novo advogado

Recém-formado em Direito, a custo Daniel conseguiu sua carteira de advogado, pois a prova de seleção foi um sufoco. Mas agora ele estava na profissão que escolheu e sentia sede de trabalho. Seu primeiro ato foi alugar uma sala comercial e ali instalar um pequeno escritório de advocacia. Nem secretária ele tinha condições de contratar. No muito um telefone para contado e um computador.

Com a estrutura física pronta, Daniel foi se apresentar ao juiz de direito da comarca e se colocar à disposição para nomeações necessárias. O magistrado o recebeu bem, elogiou seu esforço pessoal e disposição para o trabalho. E para que Daniel não saísse dali de mãos vazias, foi presenteado com a nomeação para defesa de um caso polêmico. Era o processo famoso de Maria Clara, uma jovem acusada de matar os pais enquanto dormiam. Ela foi encontrada nua na rua, chorava e não conseguia se lembrar de nada. O ministério público a denunciou depois que o laudo pericial constatou que não era louca.

Daniel não desejava esse caso, mas não se sentiu à vontade para dispensá-lo porque era o primeiro obséquio que o magistrado lhe fazia. "Depois certamente virão nomeações boas de inventariante ou perito ou síndico de falência.", pensou. Aceita a incumbência, foi até o presídio feminino conhecer sua nova — e primeira — cliente. Lá chegou, passou por revista, identificou-se e de cara foi advertido pelo carcereiro:

—  Ela é absolutamente louca, doutor.
— O laudo não constatou nada.
— Esses peritos não examinam direito. Basta olhar a coitada para saber que não é normal.
— E onde ela está?
— Está na solitária.
— Mas por quê?
— Porque nenhuma outra detenta quer dividir a cela com ela. Nem roupa a coitada pode usar porque senão se enforca.
— Quero vê-la.
— Sua alma sua palma — o carcereiro deu de ombros.

Parado diante de Maria Clara, Daniel observa em silêncio. Não sabe que dizer. Ela está nua, sentada sobre os calcanhares, cabelo longo caído para frente. Não é possível ver seu semblante.

— Sou seu advogado. O juiz me mandou para defender você das acusações do promotor de justiça.

Ao ouvir isso, a moça levanta a cabeça e olha demorado para o jovem assustado, de terno folgado, pasta preta apertada contra o peito, óculos grandes e cabelo empomadado. Então sorri e se põe de pé sem problemas em mostrar-se assim sem roupa alguma. Mas ele se perturba, fica ruborizado e olha para a distância que o separa da porta. Quando volta a atenção ela já está próxima do seu rosto — hálito perfumado, cheiro de suor e hipnotizantes olhos azuis.

— Quer fazer sexo comigo?

Ao perguntar isso apertou as partes íntimas do advogado. Em segundos ele já estava fora do presídio. Suava e tremia. Aquela doida poderia tê-lo matado!

Essa experiência foi muito gratificante para Daniel. Voltou ele ao fórum, agradeceu o juiz e devolveu o caso. Pagou uma multa e devolveu a sala que alugou. Mandou desligar o telefone. Agora sua praia é estudar para concurso público... e na área eleitoral, previdenciária etc. Nada de crime. Nunca mais!

Adriano Curado

Conto resumido extraído do livro O tapuia que não falava português.

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