Há alguns anos eu tinha uma leitora exigente que se tornou crítica ferrenha de meus textos. Tudo começou quando Marilúcia se mudou para perto aqui de casa e um dia me parou para pedir um livro meu. Disse que gostava de leitura e que devido ao seu estado de saúde delicado, tinha que ficar em repouso e seu hábito era ler para passar o tempo.
Ela tinha dezessete anos, sofria de uma doença rara que debilitava seu corpo aos poucos. Era incurável, infelizmente. Conversei com seus pais e eles me contaram que a moça tinha no máximo seis meses de vida. Então não perdi tempo e lhe dei todos os livros que publicara, além de alguns textos inéditos meus. E qual foi minha surpresa quando ela, na semana seguinte, me entregou uma resenha bem elaborada dos livros e ainda fez sugestões de modificações nos originais inéditos. Li cada palavra que escreveu com muita atenção e vi que ela tinha de fato razão em tudo. A novela O Tropeiro foi publicada com todas as observações que Marilúcia sugeriu.
Com o tempo eu me acostumei a vê-la sentada ali no jardim florido, comodamente acomodada num banco branco de madeira, pernas cruzadas e um livro aberto nas mãos. Creio que ela viajava para lugares distantes através da leitura e isso a fazia esquecer a doença que a consumia aos poucos. Bem medicada e alimentada, não sentia dores e os sintomas foram amenos até o fim.
Um dia não via mais Marilúcia no lugar de sempre. Então corri assustado para sua casa e soube que ela havia falecido na madrugada. Não sofreu nada, apenas suspirou e adormeceu. Provavelmente despertou em um dos cenários que visualizou nos livros e agora interfere nos enredos e dá pitacos no destino dos personagens.
Perdi minha maior leitora mas ganhei experiência e passei a escrever melhor depois de nossa breve convivência. Jamais esquecerei o jeito suave e angelical daquela moça tão forte e ao mesmo tempo frágil.
Adriano Curado
 

 
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