Onde o seu Sertão?


No finalzinho dos anos 1970, Camburi - no litoral norte paulista - era destino bastante querido pela moçada. Havia um conjunto de atrações: mar com boas ondas, mata atlântica, pôr-do-sol notável, comida boa e barata, áreas para acampamentos. Lembro que lá, com a turma da faculdade, vi nascer o primeiro de janeiro de 1980. Estávamos em uma casa parecida com a do Tarzan. Uma plataforma de madeira suspensa, com janelões se abrindo para as árvores em volta. Ela havia sido projetada por amigos da FAU-USP. Não lembro se havia cozinha, ou mesmo banheiro. Mas com vinte e poucos anos, quem se importava com tais detalhes?
A casa do Tarzan ficava numa região chamada Sertãozinho. Porque era no meio do mato, longe quatro quilômetros da praia. No Brasil, a palavra sertão vem carregada de mistério e magia. Haja vista a obra-prima de João Guimarães Rosa, o Grande Sertão: Veredas. Mas mesmo para quem nunca leu a inventiva prosa roseana, sertão é um conceito que nasce com a gente. Quem já não ouviu a expressão: Ah, isso é lá no sertão! É claro, também têm a nostalgia do sertão - o que não foi vivido, não foi visto, mas é contado pelas pessoas e pelas pedras.
Mas o mais inquietante do sertão é que ele está sempre além de nós. Talvez ele funcione como os Andes funcionam para nossos vizinhos. Ou seja, ele nos circunda e nos referencia. No entanto, dificilmente estamos exatamente no sertão. Por exemplo, os poucos moradores do Sertãozinho de Camburi afirmavam que o sertão era mais longe, mais para o interior da mata. O pessoal do interior da mata também dizia que o sertão ficava depois. A gente não se importava muito, porque estávamos de passagem. Éramos de São Paulo, a megalópole sem sertão.
Com o tempo fui percebendo que o sertão não é um local geográfico específico e nem tem limites mensuráveis. Sertão é tudo aquilo que sabemos que existe, mas todavia jamais alcançamos. Se você é escritor, sertão é aquele texto que você sabe que pode escrever, mas ainda não foi capaz. Se você é jardineiro, sertão é o jardim que você sonha fazer, mas cliente algum pediu. Parecido com sonho? Não exatamente. Pois o sertão existe, feito de terra, sol, veredas. Só que ele está sempre além. É aquilo que não tocamos, mas pressentimos. Aonde nunca chegaremos de verdade, mas o amamos loucamente.
Imagem: Régine Ferrandis, de Paris.

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