Na
correria do dia a dia, o trânsito parado no engarrafamento, buzinas
e discussões, e um motoqueiro quase me arranca o retrovisor
esquerdo. Eu fico na minha, sei que não adianta fazer nada, o
remédio é esperar.
Tinha uma
reunião lá no trabalho mas eu não contava com um engarrafamento
deste porte aí na frente. Não há, portanto, mais pressa.
E quando
olho para o meu lado direito, vejo que estou diante da porta de
entrada de uma casa simples. A porta está aberta e no sofá da sala
uma senhora provavelmente septuagenária monta distraída uma
fantasia de Carnaval. Nem se dá conta de que logo ali à sua frente,
a poucos metros do tal sofá, motoristas e motociclistas se digladiam
no trânsito maluco.
Isso não
a interessa.
A casa é
baixa, quente, e por isso as portas e janelas estão abertas, numa
exposição absurda de sua intimidade. Mas isso também não a
interessa. Ela só quer mesmo é se preocupar com a montagem dos
enfeites da fantasia.
Pega
cuidadosamente as lantejoulas multicoloridas que estão numa caixa,
alisa-as com desvelo e carinho, depois as costura nas mangas. O paetê
vai colocar em breve lá na barra do vestido, mas ainda é cedo para
isso, então deposita a caixa dele no braço da poltrona. Abre outra
caixa e de lá retira pedras de strass e enfeites de miçangas. Todos
os seus movimentos são planejados, como se passasse o ano no aguardo
dessa data.
Alguém
buzina nervoso atrás de mim e só então noto que o engarrafamento
acabou e o trânsito só não fluiu ainda porque meu carro está no
meio do caminho. Suspiro fundo, não poderei ver o fim o trabalho
daquela senhora. Volto então para minha rotina de labuta, sempre
atrás do ponteiro do relógio, que é mais veloz que eu.
Mais
tarde, já em casa, exausto e moído, veio-me à cabeça a imagem
daquela senhora que costurava tranquilamente sua fantasia de
Carnaval. Ela não tem os bens materiais que possuo, não precisa
correr atrás de mil compromissos diários, não tem planos muito
ambiciosos para o futuro. Mas ela vai pular Carnaval com a fantasia
feita por suas mãos, e será uma festa muito melhor que a que
planejei para mim.
Vou mudar
o rumo dessa história, decido. Amanhã procurarei aquela senhora
para encomendar uma fantasia para mim. Quero pular Carnaval sem esta
gravata que se enroscou no meu pescoço e sem este terno preto que me
dá um ar fantasmagórico. Vou pular pela vida para que a alegria
flua por mim e me mostre que é possível ser feliz com muito pouco,
sem necessidade de recorrer à escravidão da rotina massacrante.
Amanhã
vou fazer tudo isso. Mas agora preciso de um banho e de cama, pois
tenho reunião à oito.
Adriano
Curado
