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Pintura de William Bouguereau. A concha. Óleo sobre tela 1884. |
Aconteceu exatamente da forma como vou contar. Eu estava no início da Avenida das Palmeiras, quando apareceu de repente uma moça bonita, cabelos longos ao vento e completamente nua. Foi um alvoroço sem tamanho. Não demorou nada e o trânsito paralisou. O pipoqueiro do parque largou o carrinho e se juntou ao picolezeiro na apreciação daquela cena. Das janelas assomavam pessoas curiosas com aquilo. E logo as casas comerciais também se esvaziavam.
Apareceu então uma viatura policial. Dois soldados desceram, apreciaram demoradamente o material e decidiram que, por se tratar de crime de ato obsceno, teriam de encaminhar a nudista até à delegacia de polícia. “Não leva, não!”, gritou a já significativa plateia. Os dois militares trocaram olhares entre si, depois analisaram o material um pouco mais e, acredito eu, cederam à tentação de ter uma caroneira pelada no carro. “Teje presa!”, anunciaram.
Foi assim que começou o tumulto. Aconteceu que, ao cercarem a desinibida moça, repentinamente os policiais se viram no meio dum empurra-empurra. Leva. Não leve. Pegue aqui. Largue acolá. Olha a arma sacada! Corre-corre para todo lado. Uma criança se desprendeu das mãos da mãe e se sentou no meio-fio em convulsivo choro. Mais ali adiante uma batida feia de carro machucou um motociclista.
Enquanto tudo isso se desenrolava, a moça continuou seu trajeto como se não fosse com ela. E já quase saía da Avenida das Palmeiras, quando teve de dar passagem à viatura do resgate, que ali estava para socorrer o infeliz motociclista.
Passado o resgate, seus pés descalços não deram dois passos e eis que ela outra vez teve que abrir caminho, mas agora para a viatura policial recheada de participantes do tumulto de há pouco. Lá vão os descuidados que empurraram os policiais!
No fim da avenida, a mocinha conversou algo com um ruborizado caminhoneiro, cuja mulher estava do lado e lhe tampou os olhos, e ao ouvir palavras de concordância, subiu na carroceria do veículo. Não subiu sozinha, obviamente, pois é muito alto. Mas não teve lá grande dificuldade, pois caridosos rapazes se prontificaram a auxiliá-la.
Fato é que, trepada na carroceria do caminhão, ela agora podia ver e ser vista por toda a longa Avenida das Palmeiras. A atenção geral estava tão focada na moça, que ninguém percebia a agonia do dono do caminhão por ter ainda os olhos vendados. Mas deixe isso para lá, ele que se avenha com os próprios problemas.
Acho que praticamente ninguém viu que a moça trazia algo na mão. Também, nua assim em pelo (literalmente) no meio da rua, quem vai observar suas mãos?! Ela então sorriu para a plateia e estendeu um cartaz – PRESERVE OS ANIMAIS.
Adriano Curado
7 comentários:
Das manifestações mais polêmicas e justas...
e se fosse a nossa pele?
bjkas
Um lindo fds pra vc =)
fato!
estarem mais interessados em apreciar seu corpo ao invés da mensagem,pena que foi um ato meio precipitado...mais quando se trata de tão belos amigos (animais) vale a pena o exagero...obrigada pela visita adorei bjs e abraços!!!
Todos tão ocupados com o corpo de uma pessoa que se importa com a alma!
grande abraço
Leila
Seu conto é realmente muito bom. A atenção de todos está no nudez da moça, que usa isso para chamar a atenção para a causa que defende - preservação dos animais.
Esse é uma das melhores campanhas de marketing que já vi.
Meus parabéns.
Beijos
A mensagem foi muito bem transmitida. Meus parabéns. Beijos.
Adriano, se a moda pega... kkkkkkkkk Pois é ninguém percebeu que a mocinha fazia um sério protesto.
Gostei da crônica.
Beijokas doces e um fim de semana maravilhoso.
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