A morte de Iolanda


Não saberia dizer o porquê de Iolanda ser forçada a se casar com aquele homem. Eles não tinham nenhuma afinidade, eram apenas conhecidos. Se bem que Alberto, esse seu nome, era muito amigo do pai dela e os dois tinham alguns interesses em comum. Mas ninguém era rico ali, e um casamento assim, sem significativas vantagens patrimoniais, não se justificava.

Fato é que, depois de um breve namoro arranjado, o enlace se consumou. Foi uma bonita cerimônia na igrejinha perto da casa de todos e uma discreta festa no jardim. A noiva estava triste mas não demonstrava para não desagradar seu pai. A mãe havia falecido em seu parto. No mais, como diziam os antigos, com o tempo o amor chega. 

Mas não chegou. Com pouco prazo Alberto se mostrou uma pessoa obsessiva e cruel. Judiava da esposa, privava-a do convívio das amigas e do pai. Era ciumento ao extremo. Iolanda permanecia em silêncio, não reclamava com ninguém por medo de que chegasse ao ouvido daquele a quem mais amava.


Passados dois anos desse enlace, o pai de Iolanda faleceu. Ela ficou muito chocada e triste. Quando o luto se foi, Alberto a forçou a vender a velha casa da família e gastou o dinheiro com jogos e bebidas. Ele estava cada vez mais ausente e não escondia que possuía outras mulheres. E assim foi por um bom tempo, até que, certo dia, após o marido chegar bêbado em casa e lhe aplicar uma surra sem mais nem porquê, ela tomou a decisão de morrer. Sem o pai, sem dinheiro, metida num casamento sem sentido, era chegado seu fim.

Naquele último dia do casal, Alberto acordou tarde e saiu para beber e jogar, como sempre fazia porque vivia da renda de aluguel, e deixou sua esposa com os afazeres a que estava obrigada: limpar casa, lavar e passar roupa e por aí vai. Ela tomou uma dose generosa de uísque para dar coragem, amarrou uma grossa corda no travamento da casa, passou o laço de nó corrediço no pescoço e subiu num tamborete. 

Pela sua mente correu o filme da vida. Recordou-se dos momentos felizes ao lado do pai, da infância no casarão da família, dos sonhos de juventude. Tudo agora não fazia mais sentido, era preciso dar fim ao martírio. Com os calcanhares tentou tombar o tamborete mas não conseguiu. Faltou esticar mais a corda. E se pulasse assim mesmo? Certamente que o instinto de sobrevivência a faria apoiar os pés. Então era preciso refazer a operação. Desceu, esticou o laço na calibragem que a fizesse ficar apenas nas pontas dos pés e subiu outra vez no tamborete. Mas antes mesmo que pudesse encaixar o pescoço no laço, batidas insistentes na porta a desconcentraram. Quando foi atender, a notícia: "Seu marido foi morto numa briga de jogo. Sinto muito pela sua perda."

Sabe o que Iolanda fez? Morreu assim mesmo. Não fisicamente, claro, porque isso já não tinha mais sentido. Mas para aquela vida, aquele mundo, aquela realidade. Meteu-se num velho vestido branco desbotado, pegou um guarda-sol e saiu em mansa caminhada descalça pela estradinha do bosque. E nunca mais foi vista.

Adriano Curado

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