Peixe Vivo

Depois de passar raiva com notícias sobres políticos corruptos e me assustar com tragédias mundo afora, fechei o jornal. Pela janela vi uma chuva fina e constante. Há um sabiá comodamente hospedado na minha varanda e me observa do seu ninho. O silêncio da casa é um convite à rede e a um poema de Fernando Pessoa, mas resisto bravamente porque tenho que trabalhar. Há processos virtuais na espera de manifestação - a justiça agora não usa mais processos de papel - e preciso me concentrar neles. Só que não consigo... a quietude insinua que preciso aproveitar o momento.

Desço agora até o quintal. Uso capa de chuva e botas de borracha. Sento-me num tronco caído de jatobá e tiro do bolso minha flauta doce. Que vou tocar? Pensei nas Bachianas Brasileiras do Vila Lobos, mas me contento em assoprar Peixe Vivo no canudo de madeira.

E agora a água desaba sem dó. Já estou todo ensopado, e a flauta também. Daqui a pouco nem vai mais sair som algum. Não importa, continuarei com minha dança exótica por entre este bosque deserto.

Mas preciso trabalhar. Há processos que me aguardam...  Como pode um peixe vivo viver fora da água frita?

Adriano Curado

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