O apanhador de sonhos

Quando Marília ganhou o apanhador de sonhos de João, seu marido, não imaginava que sua vida fosse mudar tanto. A princípio ela supôs ser apenas um enfeite de casa, algo como uma decoração hippie, coisas desse tipo. Mas estava bem enganada.

Marília e João eram casados recentemente, de dois meses apenas, e como ele era esotérico do tipo acampar em Alto Paraíso para ver discos voadores, deu a ela o apanhador de sonhos. Uma maneira de se lembrar dele no tempo em que estivesse fora, disse no dia do presente. Ele era viajante, representante comercial de uma empresa de vendas e por isso vivia na estrada.

Marília ganhou o presente no domingo, e já na madrugada de segunda-feira percebeu um barulho estranho na varanda onde o colocara. Chegou a pensar num ladrão, mas quando prestou mais atenção viu que vinha daquele círculo de cipó recoberto com capim dourado. Ela achegou-se devagar, pés descalços inaudíveis no tapete, e então ficou extasiada com a imagem à sua frente. É que, tal qual um aparelho de televisão, aquele objeto exibia no tal círculo uma imagem bem nítida de alguém que caminhava por um campo deserto na direção de uma torre medieval. A cena durou segundos e de repente se apagou e o ambiente escureceu. Marília ficou extasiada com aquilo, e embora supusesse que sonhava, pareceu a ela bem real tudo que presenciou.


Quando despertou, pegou a coisa e levou para fora. Observou atentamente sua estrutura, via como era simples, sem nenhum equipamento eletrônico capaz de captar o pequeno filme que assistiu. Mas por via das dúvidas deixou-o lá fora mesmo, debaixo de uma laranjeira no quintal. Depois tomou um banho rápido e logo estava no trabalho que era poucas ruas abaixo de casa. Enquanto seu computador ligava, conversou com Paula, sua vizinha de baia, e esta lhe narrou o sonho que teve: andava despreocupada por um campo até uma torre.

― E foi uma experiência única ― completou.
― Mas você conseguiu chegar até a tal torre? ― indagou assombrada a outra.
― Que nada ― disse com um sorriso ― meu bebê me acordou e de repente o sonho acabou.

Marília voltou para casa meio assombrada com o que ouviu da amiga e no firme propósito de jogar fora o apanhador de sonhos. Mas sabe como é a curiosidade humana e a vontade de bisbilhotar a vida alheia...! Então desta vez o colocou no próprio quarto. E não deu outra. Na alta madrugada foi outra vez despertada pela sintonização no sonho de alguém. Desta vez era Fabiana, a vizinha da casa ao lado, que transava com o filho do padeiro de cujo nome Mariana não se lembrava, mas sabia que era casado e com três filhos. Preferiu não ver o sonho completo e jogou uma toalha para interromper a transmissão. Na manhã seguinte, quando foi comprar pão, viu Fabiana em animada conversa com o tal moço. Antes de sair, Marília lhes disse:

― Quem diria hein?! ― ninguém entendeu nada.

Nas noites seguintes o apanhador continuou firme no propósito de captar a frequência dos sonhos alheios. E assim se soube quem era infiel, quem furtava, quem tencionava matar, quem era corrupto etc. Marília já não dormia direito por conta dos tantos filmes que assistia e isso já começava a prejudicá-la no trabalho. Foi advertida diversas vezes, até que o patrão, seu Osvaldo, ameaçou demiti-la e ela arriscou:

― Faça isso mesmo e eu conto para sua esposa que o senhor faz sexo com as copeiras aqui do escritório ― disse assim mesmo, na lata, e surpreendeu-se com o aumento salarial e a súbita promoção que recebeu.

Por fim, João voltou da viagem. Ela correu logo a lhe contar a novidade, mas o marido queria mesmo era matar saudades da esposa, sem dar muita atenção ao assunto. Não insistiu com ele, apenas aguardou a chegada da noite para lhe provar. E não deu outra. O apanhador apanhou o sonho mais próximo, do próprio João, e contou para Marília que o marido tinha uma outra família, com vários filhos já crescidos; inclusive ela podia vê-lo agora no auxílio da tarefa escolar de um deles. Levantou-se apressada e viu no telefone celular dele, numa pasta oculta, a imagem das mesmas crianças e de uma linda mulher sorridente.

Deitou-se devagar ao lado do marido e dormiu, No outro dia o apanhador de sonhos queimava no quintal da casa.

Adriano Curado
 
Conta resumido, extraído do livro: O tapuia que não falava português.

Um comentário:

vitalina de assis disse...

Olá.

Eu não teria receios de levantar-me e ver o que ocorria lá fora, talvez tivesse medo ao ver o que ela viu, mas sendo imaginativa como sou, esperaria por um encontro todas as noites.

Sabe que me deu vontade de comprar um igual?

Lindo post.

Bjs.