Preso em casa com uma gripe terrível, agasalhado e com chá fumegante nas mãos, olhava a chuva dedilhar na vidraça mensagens em braile. Mas ao me aproximar da janela, vi do outro lado da rua, apertado debaixo duma marquise, um garoto que lutava para não se molhar.
Pensei ― eu aqui todo confortável e aquele pobre garoto lá, debaixo desse aguaceiro todo. Por outro lado, não sei quem é, que índole traz, que histórias vivenciou ― foram argumentos que passaram pela minha mente, enquanto procurava voltar para o repouso do sofá. Só que eu sou dessas pessoas idealistas, que querem mudar o rumo das coisas. Então pedi que Dona Arlinda, a secretária da casa, fosse buscá-lo.
Seu nome era André. André de quê? Só André. Disse-me que estava com fome, que naquele dia ainda não comera nada etc. Eu concordei em servi-lhe o almoço, mas tinha uma condição ― ele teria que tomar banho antes. André começou a relutar, contra-argumentava que a fome era tão grande que desejava comer primeiro. De jeito algum, fui taxativo, você está mais carecedor de um bom e higiênico banho.
Cabisbaixo, lá foi ele atrás de Dona Arlinda, como um resignado que se encaminha à forca. Demorou bastante, e quando se sentou à mesa estava outra pessoa. Dei-lhe roupas limpas e tênis novos. Só que André, antes mesmo da primeira garfada, começou a soluçar de choro.
― Que foi, garoto preocupei-me. ― Você está se sentindo mal?
― Não.
― Que foi, então?
― É que estou limpinho e cheiroso.
― Que tem isso?
― Agora ninguém mais vai querer me dar esmolas!
Adriano César Curado
9 comentários:
Adorei sua história, ela vem carregada de um drama social bem intenso e nos leva a um exame de autoconsciência.
Beijos.
Tadinho desse menino, com uma visão de mundo tão limitada...!
Mas acho que ele tem razão, né?! U
Um garoto arrumadinho não causa nas pessoas o mesmo impacto que um maltrapilho.
Mas impacto mesmo causa é essa sua técnica de escrita que atrai o leitor até a última linha.
Parabéns.
Beijos, meu lindo.
O mundo é feito dessas diferenças e contradições, infelizmente. E você sabe dar voz às minorias.
Adorei a postagem.
Beijokas.
Muito bom o teu blog! Postagens claras, bem feitas, agradável de ler e de se estar ...
O drama do garoto aqui exposto, é um exemplo de vários dramas da infância descuidada desse nosso País. Eu volto porque gostei daqui.
Abraços fraternos!
O mundo hoje existe falta de uma unica palavra(AMOR)O restante das frase já fica unida em uma.
Uma bela postagem amigo.
Hoje venho de desejar um excelente final de semana.
Desejar um feliz Natal a você e sua familia estou fazendo de tudo para visitar pelo menos metade dos blog que tenho enorme carinho.
E certamente você não poderia ser esquecido.
Beijos no coração.
Evanir
Acostumamo-nos a usar um "colírio" errado, não é a roupa miserável que faz com que sintam pena ou não, mas um olhar de quem não sabe mentir, igual ao André vejo tantos por aí de tantas idades, em tantos outros endereços, vejo Andrés até mesmo em quem tem condições e mendiga seja lá o que for.
Eu também sou idealista, e em algum momento de minha vida quis também mudar o mundo, mas o mundo cisma em não querer mudar, e jaz na maquiagem maquiavélica da maldade, então volta e meia guardo a minha vontade idealista e volta e meia exponho-a ao sol... O que me resta é esperar que as ampulhetas apontem o momento e a causa certa...
PS: Ah! Que felicidade meu amigo, já estava pensando que tinhas esquecido meu presente... Toda vida quando vou pegar as cartas que recebo,/escrevo ainda cartas e amo!/ fico na expectativa de teu livro estar entre elas... Que bom que vais mandar, aguardo com um sorriso de felicidade.
Essa sua postagem me levou às lágrimas.
Sinto pena dessa gente desamparada da cultura mental de poder mudar as coisas, que acha que sempre perderá, que não recebeu um afeto capaz de mudar o rumo das coisas...!
Beijos.
Um texto que aborda questões profundas do desenvolvimento do ser humano... mesmo limpo, bem vestido e alimentado, ele continuou sendo um pedinte ... É uma realidade muito triste.
Aproveito para deixar um feliz natal e um lindo início de ano, querido.
Beijinhos
A nossa sociedade cria personagens iguais a este garoto. Somos todos nós, na verdade, mengidos de nós mesmos.
Postagem linda essa sua.
Beijos, querido.
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